sexta-feira, 17 de julho de 2009

O biógrafo do mago


O escritor Fernando Morais passou por Joinville no dia 26 de março para divulgar sua mais recente obra: “O Mago”, sobre Paulo Coelho. Antes de participar do Happy Art, no shopping Mueller, o biógrafo do mago conversou com a revista Nossa.

Por: Renato César Ribeiro
Foto: Renato César Ribeiro

Revista Nossa: Como é sua relação com o Paulo Coelho? Como você conseguiu pegar tantas informações para o livro?

Fernando Morais: Eu não conhecia o Paulo há cinco anos quando eu tive a ideia de fazer a biografia dele. Tinha lido só os dois primeiros livros, o “Diário de um Mago” e “O Alquimista”, e, para minha surpresa, ele topou. Ele disse que já tinha recusado mais de 30 convites de autores europeus e norte-americanos. E, sobretudo, manteve a disposição de aceitar que eu fizesse o livro mesmo depois que ele soube que não leria os originais. Ele só leria o livro impresso junto com mais 100 mil leitores. Entre trabalhos e entrevistas, eu fiquei meses grudado nele de 8 horas da manhã a meia noite. Depois voltei para o Brasil e fiz mais de cem entrevistas com pessoas que gravitaram na órbita dele: amigos, inimigos, namorada, o médico que deu choque elétrico nele no hospício, o tira que o torturou na cadeia, enfim, todo mundo. Todo mundo que eu pude identificar e localizar eu ouvi. Levantei documentos nos órgãos de segurança, levantei habeas data na Abin, com todos os registros que tinha de Dops e Doi-Codi. Com essa maçaroca na mão, sentei e escrevi.

RN: Como é o trabalho de você pegar tanta informação e parar para escrever?

FM: O computador ajuda muito hoje. Lembro, quando eu fiz um dos meus primeiros livros, dos japoneses, “Corações Sujos”, eu grudava fotos de todos os personagens na parede do escritório para me organizar. Fazia organogramas: aqui é o núcleo de fulano de tal, aqui é a família, aqui é isso... E cortar, colar, juntar porcariada de papel... Hoje acabou isso. Você tem programas para organizar a maçaroca que você levantou. Então, o meu irmão caçula, que entende de computador, criou para mim um programa para poder organizar tudo. Então na hora que eu digitava, por exemplo, “droga” ele indicava onde tinha referências. Isso facilita muito as coisas. Mas não substitui o esforço de escrever bem, de reescrever mil vezes o que for o parágrafo até ficar elegante.

RN: Você fez também o livro da Olga e de Assis Chateubriand. São personagens que já morreram. Como que é você fazer um texto de alguém que está vivo?

FM: Tem vantagens e desvantagens. A vantagem é que nada substitui o olhar do autor. Para fazer Olga e Chatô, todas as informações eram de segunda mão, às vezes de terceira, quarta mão. Poder ver o personagem, nem que seja por um dia, uma hora, sei lá, enriquece muito, facilita muito o trabalho do autor. Mas tem uma desvantagem que te traz conflitos éticos. Eu, por exemplo, às vezes na hora que eu estava escrevendo, ficava em dúvida se punha ou não determinada informação. Eu pensava: será que é eticamente correto eu publicar um negócio escandaloso desse? Um cara que está sendo tão generoso comigo, está abrindo a casa dele para mim, está abrindo a alma para mim... Então tem problema sim. Eu prefiro morto. Agora que eu experimentei as duas alternativas, morto é melhor.

RN: Você chegou a podar mesmo alguma parte?

FM: Não. Esse conflito acabou no dia em que minha mulher disse para mim o seguinte: Você está ameaçando transferir para o seu leitor uma censura que o Paulo não te pediu. Em nenhum momento ele me falou “olha, não fala de sexo, não fala de droga, ou não fala de satanismo, ou não fala de hospício”. Não pediu nada. Então porque que eu ia impedir o leitor de ter acesso à informação se ele, que era o grande prejudicado pela revelação, não pediu.

RN: Esse seu biografado é o mais amplo de temas em relação aos outros...

FM: É, porque o Paulo viveu tudo, foi tudo, foi cristão, foi satanista, o Paulo foi drogado, experimentou tudo que é tipo de droga, foi rockeiro, jornalista, dramaturgo, o Paulo foi executivo de multinacional. Então é uma variedade de atividades que enriquece muito o personagem.

RN: Você estava fazendo a biografia de alguém muito famoso. Consequentemente tem a certeza de sucesso...

FM: Não, ninguém tem certeza de sucesso. Claro que o Paulo é um personagem muito importante e, sobretudo, como é um livro muito revelador, eu imaginava que fosse ter um bom desempenho. Eu não imaginava que fosse dar no que deu, ser publicado em 40 e tantos países e tal. Mas é a mesma coisa, não muda não. Eu faço todos os livros com o mesmo empenho, sempre procurando fazer o melhor.

RN: Com tanta informação, como é que você sabe por onde começar o livro?

FM: É uma coisa curiosa. O tempo todo eu fiquei imaginando como começar esse livro. Cada vez que aparecia uma história forte, dramática, eu falava “vou usar essa história para abrir e depois usar um flashback”. Aí eu acabei chegando à seguinte conclusão: eu preciso contar para o leitor nas primeiras páginas porque que eu me interessei, porque tive a curiosidade de escrever sobre esse cara, então eu preciso dar um retrato, um instantâneo do Paulo Coelho hoje. Então, eu pego ele no aeroporto sem que eu apareça e vou contando, conto ele com o público, em casa, no hotel, com a mulher, com os fãs, ele flertando com a moça na rua, príncipes assediando ele, sheiks, mulheres do mundo inteiro, celebridades, Bill Clinton, Julia Roberts, Vladimir Putin, todo mundo ali. Para quê? Para dizer para o leitor o seguinte: Agora você vai saber quem é esse cara, porque que ele é o que é hoje, porque ele é isso. Aí eu mergulho na vida dele.

RN: O Paulo Coelho mesmo já falou que baixa arquivos na internet porque fazem cópias dos livros dele. Qual a sua relação com essa questão da pirataria?

FM: Eu não concordo com o Paulo. Eu sou muito cioso de direito autoral. Porque só teria sentido você abrir mão de direitos autorais se todo mundo abrisse. Eu pago para ler outros livros, pago para ouvir música, para ver televisão, ir ao cinema. Porque as pessoas terão de ler aquilo que é fruto do meu trabalho sem pagar? Eu me lembro que em Cuba, no começo da revolução, não tinha direito autoral. Eles se inspiraram na União Soviética e na China baseado num princípio que dizia que todo conhecimento é propriedade da humanidade. O seu conhecimento, que você sabe, o que te levou a ter o conhecimento que você tem, foi o desenvolvimento da humanidade ao longo dos tempos. Portanto, isso não pode ser propriedade sua. Isso é propriedade coletiva. Aí tudo bem, se for assim eu topo. Agora, tem que ser para todo mundo. Não pode ser só para autor.

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RN: Como é você escritor escrever sobre outro escritor?

FM: No caso do Paulo, foi uma vantagem o fato de ele ser escritor. Tem um pouco da sensibilidade que ele tem para isso. Para a atividade da gente. Mas ajudou também o fato de a gente ser contemporâneo, de a gente ter mais ou menos a mesma idade. Então, quando ele falava de 1968, ele estava fazendo isso e aquilo, eu me lembro que eu estava de um lado, ele estava do outro. Mas facilita, dá mais familiaridade ao escritor.

RN: Como é o trabalho de você pegar tanta informação e parar para escrever?

FM: O computador ajuda muito hoje. Porque eu me lembro que para os meus primeiros livros, eu grudava as coisas na parede do escritório. Lembro, quando eu fiz o livro dos japoneses, “Corações Sujos”, eu grudava fotos de todos os personagens na parede do escritório para me organizar. Fazia organogramas: aqui é o núcleo de fulano de tal, aqui é a família, aqui é isso... E cortar, colar, juntar porcariada de papel... Hoje acabou isso. Você tem programas para organizar a maçaroca que você levantou. Então, o meu irmão caçula, que entende de computador, criou para mim um programa, para o livro do Paulo, para poder organizar tudo. Então na hora que eu digitava, por exemplo, “droga” ele indicava “tem referência à droga na entrevista tal, na entrevista tal tem um áudio onde o Paulo fala de droga, tem a ficha policial dele”. Então, isso facilita muito as coisas. Mas isso não substitui o esforço de escrever bem, de reescrever mil vezes o que for o parágrafo até ficar elegante.

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